
São José e a flor da pureza com o menino Jesus


São José com o Menino Jesus – Catedral de SantoAndré, Bordeaux (França)

Desponsório da Virgem – Juan Correa – Museu de Antequera (Espanha)

São José, Patriarca da Santa Igreja – Basílica do Sagrado Coração de Jesus, Roma
Amado desde toda a eternidade
São Bernardo de Claraval nos ensina que “a medida de amar a Deus consiste em amá-lo sem medidas”, ressaltando que o amor é a única resposta humana à imensa graça divina.
Embora possamos oferecer a Deus apenas um amor imperfeito, Ele, por sua vez, revela um amor infinito pelas criaturas, pois “Deus é amor” (1 Jo 4,8), demonstrando uma desproporção sublime entre a benevolência divina e o afeto humano.
Quando um ser inferior ama alguém superior, ele se aproxima desse superior, já quando um ser superior ama um inferior, atrai-o para si, elevando-o à sua condição.
Assim, quando Deus ama suas criaturas, Ele não apenas as contempla, mas as eleva, comunicando-lhes sua própria grandeza e participação em sua vida divina.
Ao amar suas criaturas, Deus acaba por conformá-las à sua própria imagem, concedendo-lhes todos os dons e graças necessários para cumprir as missões específicas e sobrenaturais que lhes confia, conforme explica São Tomás de Aquino.
Esse processo reflete a intenção divina de elevar cada ser à participação plena em sua vida e perfeição.
O exemplo máximo dessa generosidade divina está em Maria Santíssima, que foi agraciada com a Imaculada Conceição, permanecendo virgem antes, durante e após o parto, e preservada de qualquer corrupção em corpo e alma.
Tais dons extraordinários foram concedidos em vista da singularidade absoluta de sua Maternidade Divina, destacando-a como modelo supremo da obra de Deus na humanidade.
Nos desígnios da Redenção, à relação amorosa entre Deus e Maria, sua Mãe excelsa, une-se a escolha de alguém para uma missão singular no mistério da Encarnação: São José.
Predestinado para proteger e acompanhar a Sagrada Família, ele se torna parceiro indispensável na realização do plano divino de salvação.
A Sagrada Família de Nazaré participa de um mesmo plano salvífico divino, sendo Jesus, Maria e José os primeiros predestinados para a Redenção, de maneira conjunta e hierárquica.
Diante do elevado chamado de São José, é inevitável imaginar com que abundância de graças e dons sua alma foi enriquecida para cumprir tão sublime missão.
Teólogos, como o Cardeal Lépicier, apontam que a grandeza moral de São José provém de três fontes principais: primeiro, de seu vínculo com o Verbo Encarnado;
Segundo, de sua relação com a Santíssima Virgem, e, por fim, de sua conexão com a Santa Igreja.
Essas dimensões evidenciam a profundidade de sua missão e a excelência de sua virtude.
Portanto, analisar, ainda que brevemente, os dons incomparáveis que Nosso Senhor confiou a São José, seu castíssimo pai, para que possamos compreender melhor a dimensão e a grandeza de seu tríplice chamado.
Primeiros predestinados com vistas à Redenção
A ordem da criação atinge seu ápice na união hipostática, em que as naturezas humana e divina se unem na Pessoa do Verbo.
Jesus Cristo participa dessa união de modo absoluto em sua humanidade santíssima, enquanto Nossa Senhora participa de forma extraordinária e intrínseca, não substancial, porém real, por sua cooperação indispensável no plano divino da Encarnação.
São José, junto a Maria, foi chamado a participar de forma muito próxima da união hipostática, devido à sua função diretamente ligada à Pessoa do Redentor.
Como destaca João Mons em São José, quem o conhece? sua cooperação não ocorreu biologicamente, mas moralmente, o aspecto mais nobre, sendo verdadeira, necessária e íntima.
Ao se dispor a cumprir radicalmente a vontade divina, José acolheu, ainda que sem conhecer todos os detalhes, o plano de Deus sobre a concepção virginal, participando com alegria e fidelidade da obra da salvação.
Além disso, sem o consentimento de São José em desposar Maria, a Encarnação do Verbo não poderia ocorrer conforme o plano divino, isto é, no seio de uma família bem constituída.
Somente sua aceitação permitiu que Maria permanecesse Virgem e Mãe dignamente, e que José assumisse, pelo direito sobre sua esposa, a condição de pai virginal de Jesus, o título mais perfeito para expressar sua relação com o Filho de Deus.
Participação na união hipostática
A ordem da criação alcança seu ponto culminante na união hipostática, na qual as naturezas humana e divina se unem na Pessoa do Verbo.
Somente a humanidade santíssima de Jesus participa plenamente dessa união, enquanto Nossa Senhora a integra de modo extraordinário e intrínseco, não substancial, mas real, por sua cooperação indispensável no mistério da Encarnação.
Sem a aceitação de São José em desposar Maria, a Encarnação não teria se realizado conforme o desígnio divino de ocorrer no seio de uma família plenamente constituída.
Seu consentimento permitiu que Maria fosse, de modo digno e conveniente, Virgem e Mãe, e que ele próprio, pelo direito à sua esposa, fosse também virgem e pai, ou melhor, pai virginal de Jesus, título mais perfeito para expressar sua relação com o Filho de Deus.
Um “deus” para o próprio Deus
São José deve ser considerado também como verdadeiro pai de Nosso Senhor. Isso porque as palavras de Deus possuem eficácia própria e realizam o que significam, assim, o fato de Jesus chamá-lo de “pai” já confirma sua autêntica paternidade.
A própria Virgem Maria atesta essa verdade ao dizer no Templo: “Teu pai e eu Te procurávamos” (Lc 2,48), reconhecendo publicamente a missão paterna virginal de seu esposo.
A Sagrada Escritura confirma que a paternidade de São José é real, e não apenas simbólica ou jurídica.
São Mateus apresenta a genealogia de Cristo a partir dele (cf. Mt 1,16), pois, na tradição judaica, a hereditariedade era transmitida pelo pai.
Além disso, o Anjo confiou a José a missão de impor o nome a Jesus (cf. Mt 1,21), ato simples em aparência, mas que consagra plenamente seu ofício paterno.
Da prerrogativa legal concedida a São José nasce sua autoridade sobre o Filho Unigênito do Pai Eterno.
Isso revela a imensa majestade de um homem chamado a conduzir o próprio Deus, diante de quem até os Serafins e Querubins se prostram em adoração.
Como bem expressou Thompson, “José foi, de certa forma, designado a ser um deus para o próprio Deus”, evidenciando a grandeza incomparável de sua missão.
Capacidade de amar “proporcional” ao Filho de Deus
No coração de um verdadeiro pai arde sempre um amor profundo por seu filho. Mas surge então uma pergunta surpreendente: como poderia um homem amar seu próprio filho com o amor que é devido somente a Deus?
Este mistério encontra resposta em São José.
A Providência Divina, que jamais abandona os seus escolhidos, concede sempre as graças necessárias para cada missão.
Assim, aquele a quem foi confiada a guarda do Filho de Deus recebeu também um amor proporcional à grandeza dessa tarefa.
Deus mesmo comunicou a José um amor único, diferente de qualquer outro, pois tinha sua fonte no Pai celestial, “do qual toda a paternidade, nos céus e na terra, toma o nome” (Ef 3,15).
Foi desse modo que o coração de José, silencioso e humilde, tornou-se reflexo do próprio coração do Pai eterno, capaz de amar Jesus com um amor verdadeiramente divino.
Alguns autores chegam a afirmar que em São José existia uma capacidade de amar proporcional ao próprio Filho de Deus.
É como se o Pai eterno tivesse moldado nele um coração novo ou, então, tivesse derramado em seu coração humano um afeto tão abundante que ultrapassava qualquer amor paterno já conhecido.
Deus o encheu de uma ternura única, de um zelo ardente, porque era necessário que o amor de José estivesse à altura da perfeição de Jesus, seu Filho adotivo e, ao mesmo tempo, o próprio Filho de Deus.
Por isso, embora não tivesse contribuído biologicamente para a geração de Cristo, José o amou como nenhum pai, em toda a história da humanidade, jamais amou seu filho.
A virgindade deste homem justo não diminuiu sua afeição; ao contrário, a purificou e a dilatou.
Com um coração livre de paixões terrenas e de apegos desordenados, José pôde amar o Menino-Deus com um afeto totalmente puro, luminoso, inteiramente voltado para o Céu.
Foi assim que o carpinteiro de Nazaré se tornou reflexo da ternura do próprio Pai eterno.
Embaixador do Espírito Santo junto a Maria
A ação do Espírito Santo na vida de São José manifesta-se de modo misterioso e grandioso, sobretudo no mistério da Encarnação. Maria é chamada de Esposa do Espírito Santo, pois concebeu o Filho de Deus pela sua obra invisível (cf. Mt 1,20; Lc 1,35).
Entretanto, Maria é igualmente esposa (e esposa real) de José.
Como compreender esse aparente paradoxo?
O Espírito Santo, sendo invisível, quis dar à sua esposa virginal um esposo visível, alguém que estivesse sempre a seu lado, para acompanhá-La em todos os lugares e servi-la com fidelidade.
Alguns teólogos chegaram a chamar José de “vice Paráclito”: aquele que, na terra, assumiu a missão visível de cuidado, proteção e amor junto da Virgem e do Filho de Deus.
Assim, José não foi apenas guardião da Sagrada Família, mas também reflexo da ternura do Espírito Santo, presença discreta, silenciosa e absolutamente fiel.
Há ainda algo mais a considerar. O Espírito Santo não apenas confiou a José a guarda do Redentor e da Virgem Mãe, mas também o tomou como modelo visível para a humanidade de Jesus.
Foi pela ação divina que o temperamento, as disposições interiores e até mesmo a aparência física de José guardaram semelhanças com as do Salvador.
Havia nisso uma profunda conveniência: que o Menino fosse reconhecido por todos como verdadeiro filho de José.
Assim, o Pai eterno quis que a paternidade de José fosse completa: não apenas no cuidado e no afeto, mas também na semelhança.
Desse modo, Jesus, crescendo aos olhos dos homens, aparecia como filho legítimo do carpinteiro de Nazaré, enquanto, no mistério invisível da fé, era revelado como o Filho eterno de Deus.
Troca de corações com a Rainha dos Anjos
Todos os privilégios concedidos a São José, todos os dons que até aqui contemplamos, têm sua raiz em um ponto fundamental: o seu matrimônio com a Virgem Santíssima.
Foi desse vínculo sagrado que brotou sua paternidade virginal, foi desse conúbio real e verdadeiro que lhe foi dado participar do próprio plano hipostático da Encarnação.
O que parece, aos olhos humanos, apenas uma união simples e discreta, revelou-se, diante de Deus, o fundamento da missão mais elevada já confiada a um homem: ser esposo da Mãe de Deus e pai terreno de Seu Filho eterno.
Alguns, ao longo dos séculos, levantaram objeções quanto à perfeição da união entre José e Maria.
No entanto, basta olhar com atenção para perceber que todas as condições necessárias para a autenticidade de um matrimônio estavam presentes.
Houve entre eles o consentimento livre e mútuo, o dom recíproco de si mesmos, a fidelidade e a entrega total. Mas havia ainda mais: um significado espiritual de imensa grandeza, pois a união de José e Maria é reflexo do desposório eterno entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,32).
E como fruto dessa aliança, não um filho qualquer, mas o próprio Filho de Deus. Um matrimônio singular, sim, mas verdadeiro e perfeito em todos os sentidos diante de Deus e dos homens.
O matrimônio não se reduz a uma simples união material.
Muito mais do que isso, é um vínculo profundo que une corações, espíritos, sentimentos e afetos.
São Tomás de Aquino ensina que a essência do matrimônio está justamente nessa unidade indissolúvel das almas.
E que dizer, então, do desponsório virginal entre José e Maria?
Nessa união puríssima, havia uma afinidade tão grande que, como afirma Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, ocorreu uma verdadeira troca de corações. As graças que habitavam no interior de um eram partilhadas pelo outro, de modo que ambos viviam os mesmos anseios, as mesmas virtudes, o mesmo amor voltado para Deus.
Assim, na simplicidade da vida de Nazaré, José e Maria experimentaram uma comunhão espiritual única, reflexo da perfeita harmonia do Céu.
Imaculado em sua concepção, e corredentor
Um homem chamado a viver em tão íntima união com Nossa Senhora só poderia possuir uma estatura moral que ultrapassasse qualquer medida humana.
Não seria conveniente que a Rainha das Virgens partilhasse sua vida com alguém marcado pela concupiscência ou sujeito às desordens do pecado.
Se somente aos Anjos foi dado guardar o Paraíso terrestre após a queda, não seria natural que Maria, verdadeiro Paraíso do Novo Adão, fosse confiada a um homem com alma quase angélica?
Assim, Deus formou em São José um coração puro, livre das paixões desordenadas, para que estivesse à altura da Virgem Imaculada.
Ele não apenas foi esposo fiel e protetor da Mãe de Deus, mas também reflexo da pureza dos próprios Anjos, escolhido para guardar o mais santo dos tesouros da criação.
Seguindo a hipótese teológica defendida por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, podemos contemplar algo grandioso: assim como Maria foi preservada de toda mancha do pecado original em vista de sua Maternidade divina, também convinha que José, por uma graça subordinada ao privilégio único da Imaculada Conceição, fosse guardado do pecado.
Era necessário que aquele chamado a ser pai virginal de Jesus e esposo castíssimo da Virgem possuísse uma pureza singular, digna da missão que lhe fora confiada.
Desse modo, José, embora não compartilhasse o privilégio exclusivo de Maria, recebeu de Deus um dom especial: a preservação contra o pecado, para que pudesse cooperar, de modo pleno e irrepreensível, com o Redentor e sua Mãe na grande obra da salvação.
Pe. Llamera nos lembra que a cooperação redentora de São José não foi apenas discreta, mas ao mesmo tempo real, objetiva e singular.
Considerando o livre consentimento com que entregou-se aos planos divinos, aceitando seu ministério e recebendo luzes particulares sobre sua missão, não resta dúvida de que sua intenção não se limitou ao cuidado do Menino e de Maria. José entregou-se plenamente à grande obra de Deus, participando ativamente da regeneração da humanidade, com coração consciente e resoluto.
Assim, o Patriarca santo não foi apenas protetor e pai, mas também cooperador direto na obra da Redenção, oferecendo a Deus todo o seu ser em serviço à salvação dos homens.
Dessa forma, São José, cuja missão estava tão intimamente ligada à de Maria Santíssima, não apenas foi preservado de toda mancha desde sua concepção, como também recebeu de Deus um ministério singular: o de corredentor.
Em união com a Mãe do Salvador, José participou de maneira ativa e irrepreensível na obra redentora, tornando-se, assim, instrumento vivo da graça divina, sempre fiel ao desígnio do Pai eterno.
Patriarca da Santa Igreja
Resta-nos ainda refletir sobre um aspecto fundamental da missão de São José: aquele chamado a guardar na terra “as primícias da Igreja” deveria também, do Céu, continuar seu ofício junto ao Corpo Místico de Cristo.
Em outras palavras, por ter sido pai de Jesus, José tornou-se, de certo modo, pai da Igreja.
Pois assim como não se pode separar a Cabeça de seus membros, não se pode pensar no Salvador sem considerar aquele que, na terra e agora no Céu, continua zelando por Seus filhos.
José, portanto, não apenas acompanhou a Redenção desde a terra, mas mantém até hoje uma presença paterna junto a todos os fiéis, refletindo o cuidado e o amor que teve pelo próprio Cristo.
E como se manifesta este ofício celestial? De modo paralelo à Maternidade espiritual de Maria com todos os homens, São José exerce um desvelo paternal incalculável por cada um de nós.
Ele cuida de nós como um verdadeiro pai: observa nossas necessidades, corrige nossos defeitos e pecados, e nos protege de nossos inimigos, especialmente das armadilhas do demônio.
Assim, mesmo no Céu, José continua a sua missão de guardião e protetor, zelando com amor silencioso, constante e eficaz por toda a humanidade, tal como fizera na terra com o Menino-Deus e Sua Mãe Imaculada.
“José era justo”
Quanto maiores os dons recebidos de Deus, maior deve ser a gratidão e o amor que lhe são devidos. E com que generosidade São José os tributou!
Ao qualificá-lo de varão “justo” (Mt 1,19), o Espírito Santo revelou o imenso grau de caridade que inundava sua alma imaculada.
Um homem justo é, antes de tudo, um homem entregue: consciente de que tudo lhe foi dado, sente-se obrigado a devolver a Deus honra, glória, louvor, adoração e gratidão por todos os benefícios recebidos.
Em outras palavras, ser justo é ser santo.
E José, verdadeiramente justo, viveu essa santidade em plenitude, oferecendo a Deus todo o seu coração, toda a sua vida e toda a sua fidelidade.
Santidade: eis o caminho pelo qual podemos retribuir a Deus um amor sem medidas.
A vida do Glorioso Patriarca nos ensina isso de modo exemplar.
Do alto do Céu, junto de seu Filho Divino e de sua Esposa Santíssima, ele deseja ardentemente que cada um de nós siga esse caminho de entrega e pureza, oferecendo a Deus todo o coração, toda a alma e toda a vida.
São José, modelo de santidade, permanece como guia seguro para aqueles que desejam amar a Deus com plenitude, sem limites e com fidelidade.
Fonte: Revista Arautos do Evangelho, edição 267 – março de 2024
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