A crucificação com a coleta do sangue no Santo Graal – Livro das Horas de Yolanda de Lalaing – Holanda – Biblioteca Bodleian, Oxford – 1450

Sobre a Obra

A crucificação com a coleta do sangue no Santo Graal – Livro das Horas de Yolanda de Lalaing – Holanda – Biblioteca Bodleian, Oxford – 1450

21 x 15 cm (8×57 pol.), 123ss. 5 miniaturas grandes com miniaturas menores nas bordas, muitas iniciais iluminadas.

O Livro de Horas de YOLANDE DE LALAING é profusamente embelezado com heráldica, símbolos emblemáticos e imagens que mostram as ocupações favoritas da classe aristocrática à qual ela pertencia.

Nascida por volta de 1422, casou-se com Reinaud II de Brederode, um castelo perto de Haarlem. Seu irmão Jacques de Lalaing era um justo famoso, conhecido internacionalmente como campeão de torneios. Uma possível alusão às suas proezas pode ser discernida no Livro das Horas de sua irmã.

O Símbolo ou Credo de Santo Atanásio na f.101, começando com as palavras Quicumque vult salvus esse (Todo aquele que quiser ser salvo), é ilustrado na página ao lado por uma grande miniatura da Crucificação com cenas de torneio na borda.

A iconografia desta crucificação é incomum. São João apoiando a Virgem desmaiada à direita faz parte de um grupo familiar, mas à sua frente está uma figura feminina coroada e cortada ao meio montando um leão com uma cruz e uma bandeira na mão esquerda. Ela simboliza Ecclesia, a Igreja, e segura na outra mão um cálice que recebe o sangue do lado de Cristo que a Igreja media ao mundo no sacramento da Missa.

Atrás do leão, uma inspeção cuidadosa revela um boi, um anjo e uma águia. Estas são as quatro criaturas dos Evangelistas, cuja presença aqui na Crucificação não tem precedentes num Livro de Horas.

Esta notável imagem religiosa é acompanhada na fronteira por um torneio. Cavaleiros blindados emergem de suas tendas em cavalos ajardinados, prontos para quebrar lanças nas listas abaixo.

Observados dos camarotes por suas damas, enquanto os arautos tocam trombetas, os cavaleiros são vistos no final da página no momento crucial do encontro. Essas cenas vívidas e realistas na borda parecem não ter nenhuma ligação com a miniatura.

Na página voltada para a Crucificação há mais esportes. Abaixo do texto, uma competição de arco e flecha com bestas está em andamento diante de uma senhora e seu senhor (Yolande e seu marido?) que se refrescam em um pavilhão.

Na borda lateral há mais cavaleiros e besteiros a cavalo, e dois emblemas de Brederode já vistos na borda oposta: um nó e um emblema de duas varas cruzadas e flamejantes sob a cabeça de um javali. É quase uma surpresa lembrar, pela figura de Santo Atanásio na inicial historiada, que estas fronteiras acompanham um texto religioso.

Este Livro das Horas encontra lugar nesta antologia não apenas porque o manuscrito é um belo exemplo holandês, mas por uma razão mais específica. Apresenta os Livros de Horas num novo aspecto que revela quão profundamente os ideais cavalheirescos permeavam a sensibilidade religiosa da classe cavalheiresca.

Não podemos conhecer os pensamentos de Yolande de Lalaing enquanto ela folheava as páginas de seu Livro de Horas, mas ela pertencia a uma família que professava a cavalaria.

A Igreja inicialmente desaprovou fortemente a cavalaria e considerou os torneios como assembleias que proporcionavam a oportunidade de cometer todos os sete pecados capitais de uma só vez. Uma visão mais realista prevaleceu quando os cavaleiros feudais se tornaram o braço forte da Ecclesia, um papel que muito deveu às Cruzadas.

Por mais frequentes e lamentáveis ​​que fossem os lapsos dos cavaleiros na prática, os valores ideais do seu código de cavalaria assumiram daí em diante um carácter cristão.

O inverso também é verdadeiro. A linguagem religiosa costumava usar imagens de cavalaria.

Em vários textos e letras medievais, o próprio Cristo é corajosamente evocado sob a forma de um cavaleiro. O autor poct em Piers Plowman (Passus xviii), de Langland, vê em um sonho Faith saudando Cristo fora de Jerusalém “como um arauto proclamando um cavaleiro que vem para o torneio”, onde Cristo, vestido com uma armadura e montado no gibão de Piers “que não alguém aqui possa conhecê-lo como Deus Todo-Poderoso, lutará contra Satanás. Um exemplo ainda mais específico da alegoria do Cristo-Cavaleiro ocorre em Le Livre du Chevalier (e seu Germ Ritter vom Turm) escrito por Geoffroy de La Tour Landry entre 1371 e 1374 para a instrução de suas filhas. A história conta como uma garota injustamente acusada por um falso cavaleiro, cujas investidas ela rejeitou, de envenenar uma criança estava prestes a ser queimada na fogueira por falta de um campeão disposto a enfrentar seu acusador em um combate individual.

No último momento, um cavaleiro chamado Patrides apareceu e lutou em seu nome, matando o falso cavaleiro, mas sofrendo cinco ferimentos mortais. Ao morrer, enviou à menina sua camisa, furada em cinco lugares, que ela guardou por toda a vida, rezando diariamente pela alma de seu salvador.

Este ato de libertação e sacrifício está explicitamente ligado, no final da história, à morte de Cristo na cruz suas cinco feridas. Este conto do Livre du Chevalier pertence à categoria de exempla (histórias exemplares) muito utilizada na Idade Média para ilustrar o ensino religioso e para apontar a lição moral nos sermões.

Com esta correlação entre os cavaleiros campeões e a crucificação, podemos olhar novamente para a página do Livro das Horas de Yolande de Lalaing com uma nova visão. Até que ponto o proprietário e o artista estavam conscientes do exemplum é incerto, mas é como um livro “de cavalaria” que o consideramos aqui.

Yolande e seu marido pertenciam à nobreza de Hainault. Suas famílias estavam intimamente ligadas à corte da Borgonha, onde os ritos cerimoniais e as ficções da cavalaria desfrutavam de um brilho poente do máximo esplendor.

O mais conhecido foi o irmão mais velho de Yolande, Jacques de Lalaing, conhecido como le bon chevalier, que fez das justas uma profissão glamorosa. Ele viajou pela Europa exibindo sua experiência em torneios com um sucesso tão lendário que seus feitos foram registrados em um best-seller do século XV, Le Livre de faicts du bon Chevalier Messire Jacques de Lalaing, atribuído ao cronista borgonhese Georges Chastellain.

Em 1453, o jovem Carlos de Charolês (mais tarde Duque Carlos, o Rash da Borgonha) encontrou Lalaing no seu primeiro torneio, para grande consternação da sua mãe portuguesa, que procurou em vão relaxar as regras antes que o seu único filho encontrasse o melhor justo. da idade.

Esta iniciação perigosa passou sem acidente, mas no ano seguinte Jacques de Lalaing. Cavaleiro do Velocino de Ouro e écuyer (escudeiro ou noivo) do duque de Borgonha, foi morto diante do castelo de Poucques, nos arredores de Gante, lutando no ataque lançado por seu mestre contra a cidade rebelde.

Ele estava então no auge da fama, tendo capturado a imaginação de sua época com o fervor concedido em nossos dias aos jogadores de futebol de sucesso ou aos campeões olímpicos. A sua morte por tiro de canhão, uma invenção moderna que a opinião cavalheiresca considerava antidesportiva, foi um sinal da mudança dos tempos.

Como irmã deste Paladino moderno, Yolande de Lalaing estaria familiarizada desde seus primeiros anos com a prática e a mística da cavalaria. Os cavaleiros lutavam em torneios sob o olhar de suas damas, cujos favores usavam.

O culto rarefeito e idealizador das mulheres, promovido pela cavalaria, era uma contrapartida secular da devoção à Virgem Maria que transformou o pensamento religioso no final da Idade Média. Os dois cultos desenvolveram-se simultaneamente, embora nenhum possa ser considerado a causa do outro.

Foram antes duas manifestações de uma mudança contemporânea de atitude em relação às mulheres. Enquanto os teólogos definiam o papel de Maria, a nova Eva, como principal intercessora do homem junto a Deus, as classes cavalheirescas invocavam a sua proteção nos rituais que conferiam o título de cavaleiro.

O Livro de Horas de Yolande era um lembrete de que ela rezava diariamente diante da maior Senhora de todas.

E o que dizer do artista anônimo que parece ter tido tal percepção das mentes de seus patronos aristocráticos? Ele é conhecido como o “Mestre de Gisbert de Brederode” por outro Livro de Horas (agora na Biblioteca da Universidade de Liège) que ele decorou para um irmão mais novo do marido de Yolande, que era Bispo de Utrecht de Horas, sabe-se que o Mestre Brederode executou pelo menos mais dois, um em Berlim e outro em Cambridge.

Seus Livros de Horas são caracterizados por um sentido de cor vivo, bordas incomuns e, ocasionalmente, miniaturas notáveis ​​​​que fundem ideais de cavalaria com devoção à Virgem Maria e ao sacrifício de Cristo na Cruz.

Fonte: The Book of Hours – Park Lane New York, 1977, pg. 142

The crucifixion with the collection of the blood of Christ in the Saint Graal -The Hours of Yolande de Lalaing – Use of Rome. Netherlands, Bodleian Library, Oxford, c. 1450-60.

21 x 15 cm (8×57 in), 123ff. 5 large miniatures with smaller miniatures in borders, many illuminated initials.

Yolande de Lalaing´s Book of Hours is profusely embellished with heraldry, emblematic devices, and pictures showing the favourite occupations of the aristocratic class to which she belonged.

Born about 1422, she married Reinaud II of Brederode, a castle near Haarlem. Her brother Jacques de Lalaing was a famous jouster, known internationally as a tournament champion. A possible allusion to his prowess may be discerned in his sister’s Book of Hours.

The Symbolum or Creed of St Athanasius on f.101, beginning with the words Quicumque vult salvus esse (Whosoever will be saved’), is illustrated on the facing page by a large Crucifixion miniature with tournament scenes in the border.

The iconography of this Crucifixion is unusual. St John supporting the swooning Virgin on the right forms a part of a familiar group, but opposite him is a crowned and halved female figure riding a lion with a cross and banner in her left hand. She symbolizes Ecclesia, the Church, and holds in her other hand a chalice which receives the blood from Christ’s side which the Church mediates to the world in the sacrament of Mass. Behind the lion close inspection reveals an ox, angel and eagle. These are the four creatures of the Evangelists, whose presence here at the Crucifixion is without precedent in a Book of Hours.

This remarkable religious imagery is accompanied in the border by a tournament. Armoured knights emerge from their tents on caparisoned horses, ready to break lances in the lists below. Watched from boxes by their ladies, while heralds blow trumpets, the knights are seen at the bottom of the page in the crucial moment of encounter. These vivid, realistic scenes in the border appear to have no connection with the miniature.

On the page facing the Crucifixion are more sports. Below the text an archery contest with crossbows is in progress before a lady and her lord (Yolande and her husband?) who take refreshment in a pavilion. In the border at the sides are more knights and crossbowmen on horseback, and two Brederode emblems already seen in the border opposite: a knot, and a device of two crossed and flaming sticks beneath a boar’s head. It is almost a surprise to be reminded, by the figure of St Athanasius in the historiated initial, that these borders accompany a religious text.

This Book of Hours finds a place in this anthology not only because the manuscript is a fine Dutch example but for a more specific reason. It presents Books of Hours in a new aspect which reveals how profoundly chivalric ideals permeated the religious sensibility of the knightly class.

We cannot know the thoughts of Yolande de Lalaing as she turned the pages of her Book of Hours, but she belonged to a family which made a profession of chivalry. The Church had at first greatly disapproved of chivalry and considered tournaments as assemblies which provided opportunity for committing all seven deadly sins at once.

A more realistic view prevailed when the feudal knights became the strong arm of Ecclesia, a role which owed much to the Crusades. However frequent and lamentable were the lapses of the knights in practice, the ideal values of their chivalric code thenceforth assumed a Christian character.

The converse is also true. Religious language often used the imagery of chivalry. In a number of medieval texts and lyrics Christ himself is boldly evoked in the guise of a knight.

The poct-author in Langland’s Piers Plowman (Passus xviii) sees in a dream Faith hailing Christ outside Jerusalem ‘like a herald proclaiming a knight who comes to the tournament’, where Christ, clad in armour and riding in Piers’ doublet ‘that no one here may know him as Almighty God’, will joust against Satan. An even more specific instance of the Christ-Knight allegory occurs in Le Livre du Chevalier (and its Germ Ritter vom Turm) written by Geoffroy de La Tour Landry between 1371 and 1374 for the instruction of his daughters.

The story tells how a girl wrongly accused by a false knight, whose advances she had rejected, of poisoning a child was about to be bumtat the stake for lack of a champion willing to take on her accuser in single combat. At the last moment a knight called Patrides appeared and fought on her behalf, killing the false knight, but himself sustaining five mortal wounds. While dying he sent the girl his shirt, pierced in five places, which she kept all her life, praying daily for the soul of her rescuer. This act of deliverance and sacrifice is explicitly linked at the end of the story with Christ’s death upon the Cross and his five wounds. This tale from the Livre du Chevalier belongs to the category of exempla (exemplary stories) much used in the Middle Ages to illustrate religious teaching and to point the moral lesson in sermons.

With such a correlation between knightly champions and the Crucifixion we can look again at the page from Yolande de Lalaing’s Book of Hours with a new insight. To what extent the owner and artist were conscious of the exemplum is uncertain but it is as a ‘chivalric’ book that we consider it herе.

Yolande and her husband belonged to the nobility of Hainault. Their families were closely connected with the Burgundian court, where the ceremonial rites and fictions of chivalry enjoyed a sunset glow of the utmost splendour.

The best-known was Yolande’s eldest brother, Jacques de Lalaing, known as le bon chevalier, who made Jousting a glamorous profession. He toured Europe displaying his expertise in tournaments with such legendary success that his deeds were recorded in a fifteenth-century best-seller, Le Livre de faicts du bon Chevalier Messire Jacques de Lalaing, attributed to the Burgundian chronicler Georges Chastellain.

In 1453 the young Charles de Charolais (later Duke Charles the Rash of Burgundy) en- countered Lalaing in his first tournament, much to the consternation of his Portuguese mother, who sought vainly to have the rules relaxed before her only son encountered the best jouster of the age.

This dangerous initiation passed off without accident, but the next year Jacques de Lalaing. Knight of the Golden Fleece and écuyer (esquire or groom) to the Duke of Burgundy, was killed before the castle of Poucques outside Ghent fighting in the attack launched by his master against the rebellious city.

He was then at the height of his fame, having captured the imagination of his age with the fervour accorded in our own day to successful footballers or Olympic champions. His death by cannon-shot, a new-fangled invention which chivalric opinion regarded as unsporting, was a sign of changing times.

As the sister of this latter-day Paladin, Yolande de Lalaing would have been familiar from her earliest years with the practice and mystique of chivalry. The knights fought in tournaments under the eyes of their ladies, whose favours they wore.

The rarefied, idealizing cult of women fostered by chivalry was a secular counterpart of the devotion to the Virgin Mary which transformed religious thought in the later Middle Ages.

The two cults developed simultaneously, though neither can be claimed as the cause of the other. They were rather two manifestations of a contemporary change of attitude towards women. While the theologians were defining Mary’s role, the new Eve, as man’s principal intercessor with God, the knightly classes were invoking her protection in the rituals which conferred knighthood. Yolande’s Book of Hours was a reminder that she prayed daily before the greatest Lady of all.

And what of the anonymous artist who seems to have possessed such insight into the minds of his aristocratic patrons? He is known as the “Master of Gisbert de Brederode’ from another Book of Hours (now in the University Library, Liège) which he decorated for a younger brother of Yolande’s husband who was Bishop of Utrecht. In addition to the Oxford and Liège Books of Hours the Brederode Master is known to have executed at least two more, one in Berlin, the other at Cambridge.

His Books of Hours are characterized by a lively colour sense, unusual borders and, on occasion, remarkable miniatures which conflate chivalric ideals with devotion to the Virgin Mary and Christ’s sacrifice upon the Cross.

Source: The Book of Hours – Park Lane New York, 1977, pg. 142

Produzido por / Directed by: MuMi – Museu Mítico