
A Crucificação e a Ressureição de Cristo – Monge Kyrillos do Monte Athos – Museu Samokov, Bulgária – Paper Icons – 1851
“Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa cruz remistes o mundo.”
A CRUZ
Gravada pelas mãos do monge Kyrillos e custeada por seu irmão de hábito Joasaph, no ano do Senhor de 1851, esta obra, saída dos silenciosos mosteiros do Monte Athos, é mais que uma gravura: é uma liturgia visual, um cântico em metal à vitória do Crucificado.
Na primeira metade do ícone, intitulada “A Crucificação de Cristo”, o olhar é conduzido ao Gólgota, onde o Salvador pende entre o Céu e a terra.
A cruz ergue-se como o novo eixo do universo.
À sua esquerda, Maria Santíssima, de pé, cumpre o ofício sacerdotal da compaixão, à direita, São João, o discípulo amado, guarda em silêncio o testamento do Mestre.
Entre eles, o Sangue e a Água brotam do lado aberto do Senhor, sacramento do Batismo e da Eucaristia, nascente da Igreja.
A inscrição acima não traz apenas o nome de Jesus, mas o sentido de toda a história:
“A Crucificação de Cristo”, o amor levado até o extremo (cf. Jo 13,1).
A iconografia segue o estilo bizantino: austeridade, serenidade e silêncio.
Não há movimento excessivo, mas a solene paz da oblação.
A cruz é o altar; o corpo de Cristo, o Cordeiro imolado, o Calvário, o templo da nova aliança.
A Virgem Maria contempla o Filho, e sob o véu do sofrimento se cumpre a profecia de Simeão:
“Uma espada transpassará a tua alma.” (Lc 2,35).
Ali, no seio da dor, nasce a maternidade espiritual da Igreja.
O discípulo amado recebe a Mãe, e, por ela, todos os homens recebem a esperança.
O gravador Kyrillos não apenas desenha, reza.
Cada golpe do pincel no cobre é um Kyrie Eleison; cada linha, um eco do Crux fidelis entoado pelos monges na liturgia da Sexta-Feira Santa.
A RESSURREIÇÃO
À direita do ícone, o olhar é conduzido ao segundo mistério: “A Ressurreição de Cristo.”
Aqui, a noite da cruz dá lugar à aurora eterna.
O Cristo Ressuscitado surge envolto em glória oval, figura do Céu aberto.
Seu corpo está glorificado: nu, exceto por uma túnica luminosa e o manto esvoaçante, símbolo da vitória sobre a morte e do Espírito que tudo vivifica.
Com a mão direita, Ele abençoa, na esquerda, empunha a bandeira da cruz, sinal de triunfo.
Ele não sai do túmulo como um fugitivo, mas ergue-se soberano, como Rei que vem inaugurar o oitavo dia da criação.
Um anjo de vestes alvas senta-se sobre a pedra removida, testemunha da vitória divina.
Ele aponta para o sepulcro vazio, proclamando:
“-Por que buscais entre os mortos Aquele que vive?” (Lc 24,5)
Atrás dele, as Santas Mulheres trazem perfumes, mas encontram o perfume da eternidade.
Elas vêm ungir um corpo, e encontram o Corpo glorioso do Ressuscitado, o Esposo que venceu a morte.
No anseio do amor fiel, tornam-se as primeiras anunciadoras do Evangelho pascal.
À frente, os guardas romanos representam o poder do mundo diante do mistério divino.
Um dorme, imagem dos corações que ainda não despertaram para a fé;
outro cobre o rosto, cego pela luz da glória;
o terceiro contempla em silêncio, tocado por um temor sagrado.
A lança e o escudo caídos indicam que a violência humana foi vencida pela mansidão divina.
Ao fundo, delineia-se Jerusalém, a cidade terrena, testemunha da revelação celeste.
E no alto, dentro de dois círculos que lembram o sol e a lua, resplandece a inscrição: “A RESSURREIÇÃO DE CRISTO.”
ENTRE A CRUZ E A LUZ
A composição dupla, unindo Crucificação e Ressurreição, reflete a unidade do Mistério Pascal:
Não há Ressurreição sem cruz, nem cruz sem Ressurreição.
O ícone convida à contemplação do movimento litúrgico da Páscoa, da Sexta-Feira Santa à Vigília Pascal.
De um lado, o Cordeiro imolado; de outro, o Leão ressurgido.
De um lado, o silêncio do sacrifício; de outro, o cântico da vitória.
Na tradição bizantina, tal união iconográfica é rara e profundamente teológica:
ela manifesta que o sofrimento e a glória são inseparáveis no Cristo total.
A cruz é o portal da Ressurreição, a tumba, o altar do triunfo.
Assim, Kyrillos, monge e artista, grava em cobre o cântico pascal que ecoa em toda liturgia cristã:
“Cristo ressuscitou dos mortos,
vencendo a morte pela morte,
e deu a vida aos que jaziam nos túmulos.”
(Hino pascal bizantino)
UM ÍCONE PARA A ETERNIDADE
No silêncio do Monte Athos, entre as paredes cheias de incenso e o cântico dos monges, esta gravura nasceu como oração e catequese.
Hoje, conservada no Museu Folclórico de Samokov, na Bulgária, ela continua a pregar o mesmo Evangelho com linhas de luz e sombra: o Cristo que morre por amor e ressuscita por misericórdia.
O nome de Joasaph, o monge que custeou a obra, e o de Kyrillos, que a gravou, estão unidos na inscrição como oferenda:
“CUSTEADO PELO MONGE JOASAPH E PELA MÃO DO MONGE KYRILLOS, 1851.”
Assim, o gesto dos monges torna-se também uma liturgia não de palavras, mas de metal e fé.
E a gravura, como um ícone aberto, repete a cada geração o convite que ecoa no coração da Igreja:
“Se com Ele morremos, com Ele viveremos;
se com Ele sofremos, com Ele reinaremos.” (2Tm 2,11-12)
Oração
Senhor Jesus Cristo,
que pela vossa cruz santificastes a dor humana
e pela vossa Ressurreição transformastes a morte em vida,
concedei-nos permanecer aos pés da vossa cruz
e alegrar-nos na luz da vossa glória.
Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos.
Amém.
Fonte: Livro PAPER ICONS: Greek Orthodox Religious Engravings, 1665-1899 Hardcov
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